quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Sempre esquecia o que dizia, alguns falavam que era por culpa das coisas que tomava. Intuía tantas coisas do mundo que se perdia em pensamentos sem sentido. Um dia virou andarilho, cortou os cabelos e comprou novas escovas de dentes. Saiu, foi ver o mundo, foi conhecer. Ao final, que espanto, que estranheza, ainda era a mesma. O suor sempre lhe escorreu pela testa, sempre quis ter mais irmão do que cabiam em seus dedos, nunca quis filhos. Mas queria alguns bebês, às vezes.

Era triste quando triste, e se alegrava quando alegre. Corria sempre que tinha pressa, e sentava para ver o sol se por sempre que tinha tempo. Comprou um cachimbo certa vez, mas não sabia bem como usar. Sentia-se transbordando de tanto sentir de formas diferentes. Por vezes sentava e ficava em total silêncio por horas. Sempre teve medo, mas também sempre foi muito corajosa. Gosta de piquenique, não gosta de grama alta. Voa mesmo sem avião, e sorri para o entregador de pizza.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Caindo

E vamos segurando nos pequenos galhos pelo caminho, e vamos pedindo que voe aquela fênix espertalhona, vamos sem planos ou contratos. Quando sentimos um cheiro estranho tentamos olhar para o outro lado, mas nossas costas enferrujaram por ficar tanto tempo largadas ao tempo. Abrimos um guarda-chuva e sonhamos que já é dia, quando abro os olhos as estrelas já foram ofuscadas por esse tal sol. Garimpo em meio aos morros até que encontro a pepita que deixamos rolar naquele fim de tarde, quando ainda de mãos dadas você me levou para casa e disse até logo. Eu não compreendia, eu não sabia o que vinha depois de tanta alegria, e no dia seguinte contato era ocasional.

Roupas estranhas, sapatos coloridos, faixas no cabelo, um pouco de batom, um colírio engarrafado nas montanhas. Dias e dias sentada na boca da chaminé vendo as estrelas caírem do céu. Dias e dias esperando o pombo correio. Dias e dias escrevendo os bilhetes de resposta. Noites e noites escolhendo os cobertores. Manhãs nas quais pedia para continuar noite e noites em que pedia para amanhecer logo. Mas hoje largo o lápis, rasgo os papéis e espero que a matéria decante, para que possamos começar um novo show de nado sincronizado.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Rapozas saem de suas tocas

E ainda não amanheceu. Roupas rasgadas e ela lembra que já andou sobre duas patas. Unhas ainda vermelhas, seus dentes sangram. Cansamos de tanto andar de gangorra e hoje o dia choveu lá fora. Vestimos bota e saia rodada, quando vimos já era meio do dia. Nossas carnes ainda estão cru, mas comemos com garfo e faca. A fruta caiu do pé mas a árvore continua viva e a mata ainda cresce. Mato a fome sempre que meu estômago se devora. Roubo tuas calças e escondo na gaveta do escritório. Somos todos jovens até que provem o contrário. Passou muito, mas ainda é tempo. Todos correm, por baixo do pano estão pelados.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Entranhas

O mês mudou e eu nem percebi. Quando vi já era uma nova vida que surgia em meio a berros subidos de masmorras. Cantamos sempre que sentimos frio, mas hoje a tempestade sobe pelo ralo. Estranho ver como se enganam com facilidade, estranho como me perco em um segundo. Estranho saber que ele me procura e ainda assim me prendo ao vazio. Sou uma estranha nessa terra gigante, tento entender o que queremos mas você toma muitas decisões enquanto sua mente está vazia, e depois não pode lembrar que pede sempre que eu parta antes que amanheça. Esquece que sumo sempre antes que as autoridades voltem. É estranho como aquele homem surgiu como se estivesse escapado do sonho estranho que me acompanhou pelo dia. Estranho como ele sorriu descompromissado e o que parecia ser uma aparição efêmera ressurgiu no momento seguinte com o mais singelo dos pedidos, com a caricia de um oi.

Como é estranho esse encantamento por um estranho, como é culposo esse encantamento por quem nos dá uma gota de atenção, e que ainda assim é muito mais do que você pode oferecer em meses. Como é gostosa essa frase que surge sem que esperemos por ela, essa caricia muda que dura o dia, essa despreocupação que nos toma por horas. É uma paixão encasulada que tem medo de sair, é um desejo que tem medo de ser chamado assim. É a espera pelo próximo recado, é o medo de que seja só um beijo, é o medo de que chegue a tanto. Quem é esse homem tão de acordo com o plano, tão fora do esperado. Que salto é esse que tem medo de não chegar à outra margem.

Você sabe, eu avisei que alguém esperava do outro lado, que alguém dizia para que eu fosse. Você não quis ouvir, não quis acreditar que eu poderia fazer alguma coisa, mas aqui estou eu sentada no centro da caixa branca, e não importa que carta eu vire, algo morre. Tento escolher um caminho, mas tenho medo de dizer, será apenas comodismo ou medo de ser feliz. Será apenas a expectativa do novo ou a fuga do que realmente se quer. Qual é meu desejo real, a que lado me prendo, aqui ou lá? Essa margem está tão gasta, aquela é tão reluzente, mas já sabemos que "nem tudo que reluz é ouro" e que nem sempre existe uma rede de segurança para saltos mal sucedidos.

Talvez, talvez, talvez... Tantas incertezas, tantas possibilidades, e quem somos nós? Dois pássaros ainda no ninho tentando adivinhar das correntezas da vida. E assim, com medo nos acorrentamos a nadas tão cheios de potencialidades e tão vazios de sentido. Se ao menos pudesse dizer que  sente, que espera, mas os planos fazem você tremer na base, fazem com que exploda como uma criança assustada. Mas todos temos os nossos desejos, e se você não assume os seus ou não os tem, eu não posso adivinhar, e portanto tendo a aceitar aqueles que planejam comigo ou por mim. Pois é bom pensar que fazemos parte de algo, mas é muito melhor sentir que pertencemos a um conjunto que nos chama de seu não apenas em segredo, não apenas nos seus sonhos mais íntimos, mas na realidade de uma conversa despreocupada. É bom sentir e não apenas fazer deduções.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Telescópio

Tentaria traduzir tantos textos. Temos testemunhos todos tortos teclados, Tatiana tratou-os. Tostei teus termos telepaticamente tarde terrestre. Telma tocou trompete, Teobaldo traçou táticas, Teresa tramou, trançou. Todos tontos, tentaram terminar. Teste, teste, teste... Teodora telefonou, tomou tento, tropeçou tentando transmitir textos trespassados. Tentaram tolher tantos trabalhos tentadores, tanto tentamos travamos tais tentos.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Tanto Tempo Tentando

Dia gelado em várias partes do mesmo ser. Roubei vários fios da meada e agora tento junta-los em uma mesma frase. Uma mesma farsa que começou e se alongou por espaços nunca antes imaginados. Somos todos tão reais que a representação da própria vida parece uma pegadinha de mau gosto. Quando olhamos para aquela vida sentimos arrepios em partes diferentes. Não, você não me entedia, mas sua insistência em dizer que o inimportante é o erro fatal me entristece. Quando acordei depois de um dia de tempestade vi que a noite era ainda mais radiante do que as manhãs de olhos fechados. Como é bom recolocar as pecinhas nos seus devidos lugares depois de tanto tempo tentando descobrir que desejávamos e estava oculto por tantos deveres, por tantos olhares, sem saber que só descobriríamos no escuro.

Roupas, roupas, roupas, nos vestimos e nos despimos. Esses pedaços de pano servem para cobrirmos nossas vergonhas, mais do que para agradarmos olhos tão cheios de conceitos. Sapatos, e assim não cortamos os pés nos cacos de vidro. Salto alto e assim podemos disfarçar o quanto somos baixos. Estamos sempre abaixo, até que possamos ainda deitados no chão demonstrar o que somos antes de abrir a boca. Somos carne até que desintegremos. É preciso ter coragem para simplesmente deixar de existir, principalmente se formos tão saborosos. Sumir do mundo pode ser só uma forma de reencontrá-lo mais a frente. Não somos tão sutis que não possamos ser rastreados. Não somos tão grandes que não caibamos em um aceno. Também não somos tão pequenos que fitemos inteiros em um olhar.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Atração fatal

O beijo de despedida que se aproxima até pegar fogo. As pálpebras descamando histórias inacabadas. Foi tão cedo, um pequeno deslize e tudo se espalhou pelo chão. Foi tão rápido e subiu pelas paredes. Foi tão estúpido e veio abaixo. Desmoronamento silencioso, os berros foram abafados, sufocaram antes que as cinzas tocassem o chão. O céu tingido de vermelho misturou suas cores e escorreu. Como pudemos acreditar em recomeçar sozinhos com total força se abandonamos o motor em casa. Sem ele não podemos fazer a distribuição de forma adequada. Sempre estou voltando a um ponto de partida posto que tenho vários. Aposto mais fichas e temo mais, e tremo mais. Um distúrbio de qualquer ordem, é sempre um distúrbio. Uma desordem qualquer na qual nos dispomos sem pressa. Mas já estamos ficando indispostos. Não acordamos mais, não dormimos mais, nos alimentamos de besteiras que encontramos com facilidade. Sirvo seu prato com paciência e você come cuidadosamente. Esperamos o sol raiar e podemos ir embora. Vá buscar suas roupas no varal distante e deixe o excedente pelo caminho antes que alguém escolha por você. O canto escuro não é real antes da meia noite. O toque leve não arrepia mais que um olhar. Nos abraçamos e rezamos baixinho pedindo que vá. Temo que ataque com mais força por lhe dizer que deve partir agora. Cascas, cascas, cascas. Cascas cobrem o chão, um lobo uiva a distância. Sou eu no alto do morro uivando como que pede para olhar também do alto. Mas tenho patas cansadas, cheias de grama e orvalho. Minhas orelhas felinas estão ensurdecidas, deito na minha almofada macia, lambo meus pelos e bebo leite com biscoitos. Abro minha asas, alongo, escuto o estalar dos ossos e o peso dos anos, não sou mais capaz de voar e ser a própria lua. Sou rua, e debaixo do asfalto tento brotar. Escovo sempre antes de dormir, mas quando acordo ainda é combustão. Desmorona.