quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Sempre esquecia o que dizia, alguns falavam que era por culpa das coisas que tomava. Intuía tantas coisas do mundo que se perdia em pensamentos sem sentido. Um dia virou andarilho, cortou os cabelos e comprou novas escovas de dentes. Saiu, foi ver o mundo, foi conhecer. Ao final, que espanto, que estranheza, ainda era a mesma. O suor sempre lhe escorreu pela testa, sempre quis ter mais irmão do que cabiam em seus dedos, nunca quis filhos. Mas queria alguns bebês, às vezes.

Era triste quando triste, e se alegrava quando alegre. Corria sempre que tinha pressa, e sentava para ver o sol se por sempre que tinha tempo. Comprou um cachimbo certa vez, mas não sabia bem como usar. Sentia-se transbordando de tanto sentir de formas diferentes. Por vezes sentava e ficava em total silêncio por horas. Sempre teve medo, mas também sempre foi muito corajosa. Gosta de piquenique, não gosta de grama alta. Voa mesmo sem avião, e sorri para o entregador de pizza.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Caindo

E vamos segurando nos pequenos galhos pelo caminho, e vamos pedindo que voe aquela fênix espertalhona, vamos sem planos ou contratos. Quando sentimos um cheiro estranho tentamos olhar para o outro lado, mas nossas costas enferrujaram por ficar tanto tempo largadas ao tempo. Abrimos um guarda-chuva e sonhamos que já é dia, quando abro os olhos as estrelas já foram ofuscadas por esse tal sol. Garimpo em meio aos morros até que encontro a pepita que deixamos rolar naquele fim de tarde, quando ainda de mãos dadas você me levou para casa e disse até logo. Eu não compreendia, eu não sabia o que vinha depois de tanta alegria, e no dia seguinte contato era ocasional.

Roupas estranhas, sapatos coloridos, faixas no cabelo, um pouco de batom, um colírio engarrafado nas montanhas. Dias e dias sentada na boca da chaminé vendo as estrelas caírem do céu. Dias e dias esperando o pombo correio. Dias e dias escrevendo os bilhetes de resposta. Noites e noites escolhendo os cobertores. Manhãs nas quais pedia para continuar noite e noites em que pedia para amanhecer logo. Mas hoje largo o lápis, rasgo os papéis e espero que a matéria decante, para que possamos começar um novo show de nado sincronizado.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Rapozas saem de suas tocas

E ainda não amanheceu. Roupas rasgadas e ela lembra que já andou sobre duas patas. Unhas ainda vermelhas, seus dentes sangram. Cansamos de tanto andar de gangorra e hoje o dia choveu lá fora. Vestimos bota e saia rodada, quando vimos já era meio do dia. Nossas carnes ainda estão cru, mas comemos com garfo e faca. A fruta caiu do pé mas a árvore continua viva e a mata ainda cresce. Mato a fome sempre que meu estômago se devora. Roubo tuas calças e escondo na gaveta do escritório. Somos todos jovens até que provem o contrário. Passou muito, mas ainda é tempo. Todos correm, por baixo do pano estão pelados.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Entranhas

O mês mudou e eu nem percebi. Quando vi já era uma nova vida que surgia em meio a berros subidos de masmorras. Cantamos sempre que sentimos frio, mas hoje a tempestade sobe pelo ralo. Estranho ver como se enganam com facilidade, estranho como me perco em um segundo. Estranho saber que ele me procura e ainda assim me prendo ao vazio. Sou uma estranha nessa terra gigante, tento entender o que queremos mas você toma muitas decisões enquanto sua mente está vazia, e depois não pode lembrar que pede sempre que eu parta antes que amanheça. Esquece que sumo sempre antes que as autoridades voltem. É estranho como aquele homem surgiu como se estivesse escapado do sonho estranho que me acompanhou pelo dia. Estranho como ele sorriu descompromissado e o que parecia ser uma aparição efêmera ressurgiu no momento seguinte com o mais singelo dos pedidos, com a caricia de um oi.

Como é estranho esse encantamento por um estranho, como é culposo esse encantamento por quem nos dá uma gota de atenção, e que ainda assim é muito mais do que você pode oferecer em meses. Como é gostosa essa frase que surge sem que esperemos por ela, essa caricia muda que dura o dia, essa despreocupação que nos toma por horas. É uma paixão encasulada que tem medo de sair, é um desejo que tem medo de ser chamado assim. É a espera pelo próximo recado, é o medo de que seja só um beijo, é o medo de que chegue a tanto. Quem é esse homem tão de acordo com o plano, tão fora do esperado. Que salto é esse que tem medo de não chegar à outra margem.

Você sabe, eu avisei que alguém esperava do outro lado, que alguém dizia para que eu fosse. Você não quis ouvir, não quis acreditar que eu poderia fazer alguma coisa, mas aqui estou eu sentada no centro da caixa branca, e não importa que carta eu vire, algo morre. Tento escolher um caminho, mas tenho medo de dizer, será apenas comodismo ou medo de ser feliz. Será apenas a expectativa do novo ou a fuga do que realmente se quer. Qual é meu desejo real, a que lado me prendo, aqui ou lá? Essa margem está tão gasta, aquela é tão reluzente, mas já sabemos que "nem tudo que reluz é ouro" e que nem sempre existe uma rede de segurança para saltos mal sucedidos.

Talvez, talvez, talvez... Tantas incertezas, tantas possibilidades, e quem somos nós? Dois pássaros ainda no ninho tentando adivinhar das correntezas da vida. E assim, com medo nos acorrentamos a nadas tão cheios de potencialidades e tão vazios de sentido. Se ao menos pudesse dizer que  sente, que espera, mas os planos fazem você tremer na base, fazem com que exploda como uma criança assustada. Mas todos temos os nossos desejos, e se você não assume os seus ou não os tem, eu não posso adivinhar, e portanto tendo a aceitar aqueles que planejam comigo ou por mim. Pois é bom pensar que fazemos parte de algo, mas é muito melhor sentir que pertencemos a um conjunto que nos chama de seu não apenas em segredo, não apenas nos seus sonhos mais íntimos, mas na realidade de uma conversa despreocupada. É bom sentir e não apenas fazer deduções.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Telescópio

Tentaria traduzir tantos textos. Temos testemunhos todos tortos teclados, Tatiana tratou-os. Tostei teus termos telepaticamente tarde terrestre. Telma tocou trompete, Teobaldo traçou táticas, Teresa tramou, trançou. Todos tontos, tentaram terminar. Teste, teste, teste... Teodora telefonou, tomou tento, tropeçou tentando transmitir textos trespassados. Tentaram tolher tantos trabalhos tentadores, tanto tentamos travamos tais tentos.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Tanto Tempo Tentando

Dia gelado em várias partes do mesmo ser. Roubei vários fios da meada e agora tento junta-los em uma mesma frase. Uma mesma farsa que começou e se alongou por espaços nunca antes imaginados. Somos todos tão reais que a representação da própria vida parece uma pegadinha de mau gosto. Quando olhamos para aquela vida sentimos arrepios em partes diferentes. Não, você não me entedia, mas sua insistência em dizer que o inimportante é o erro fatal me entristece. Quando acordei depois de um dia de tempestade vi que a noite era ainda mais radiante do que as manhãs de olhos fechados. Como é bom recolocar as pecinhas nos seus devidos lugares depois de tanto tempo tentando descobrir que desejávamos e estava oculto por tantos deveres, por tantos olhares, sem saber que só descobriríamos no escuro.

Roupas, roupas, roupas, nos vestimos e nos despimos. Esses pedaços de pano servem para cobrirmos nossas vergonhas, mais do que para agradarmos olhos tão cheios de conceitos. Sapatos, e assim não cortamos os pés nos cacos de vidro. Salto alto e assim podemos disfarçar o quanto somos baixos. Estamos sempre abaixo, até que possamos ainda deitados no chão demonstrar o que somos antes de abrir a boca. Somos carne até que desintegremos. É preciso ter coragem para simplesmente deixar de existir, principalmente se formos tão saborosos. Sumir do mundo pode ser só uma forma de reencontrá-lo mais a frente. Não somos tão sutis que não possamos ser rastreados. Não somos tão grandes que não caibamos em um aceno. Também não somos tão pequenos que fitemos inteiros em um olhar.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Atração fatal

O beijo de despedida que se aproxima até pegar fogo. As pálpebras descamando histórias inacabadas. Foi tão cedo, um pequeno deslize e tudo se espalhou pelo chão. Foi tão rápido e subiu pelas paredes. Foi tão estúpido e veio abaixo. Desmoronamento silencioso, os berros foram abafados, sufocaram antes que as cinzas tocassem o chão. O céu tingido de vermelho misturou suas cores e escorreu. Como pudemos acreditar em recomeçar sozinhos com total força se abandonamos o motor em casa. Sem ele não podemos fazer a distribuição de forma adequada. Sempre estou voltando a um ponto de partida posto que tenho vários. Aposto mais fichas e temo mais, e tremo mais. Um distúrbio de qualquer ordem, é sempre um distúrbio. Uma desordem qualquer na qual nos dispomos sem pressa. Mas já estamos ficando indispostos. Não acordamos mais, não dormimos mais, nos alimentamos de besteiras que encontramos com facilidade. Sirvo seu prato com paciência e você come cuidadosamente. Esperamos o sol raiar e podemos ir embora. Vá buscar suas roupas no varal distante e deixe o excedente pelo caminho antes que alguém escolha por você. O canto escuro não é real antes da meia noite. O toque leve não arrepia mais que um olhar. Nos abraçamos e rezamos baixinho pedindo que vá. Temo que ataque com mais força por lhe dizer que deve partir agora. Cascas, cascas, cascas. Cascas cobrem o chão, um lobo uiva a distância. Sou eu no alto do morro uivando como que pede para olhar também do alto. Mas tenho patas cansadas, cheias de grama e orvalho. Minhas orelhas felinas estão ensurdecidas, deito na minha almofada macia, lambo meus pelos e bebo leite com biscoitos. Abro minha asas, alongo, escuto o estalar dos ossos e o peso dos anos, não sou mais capaz de voar e ser a própria lua. Sou rua, e debaixo do asfalto tento brotar. Escovo sempre antes de dormir, mas quando acordo ainda é combustão. Desmorona.

domingo, 13 de março de 2011

Palavras ao veneno

Hoje falo aquele que desce pela minha garganta queimando lentamente. Roubo suas horas calmas sem pressa de voltar. Canto como pássaro na gaiola sem medo de esquecer os próximos versos. Esqueço que me despreza e dou um beijo de adeus. Canto com minha garganta ainda embargada por você que escorre por caminhos bem planejados. Roubo sua voz para mostrar quem é. Canto com seus passos ainda retumbando no meu peito, grito leve de quem ainda tem dor. Grito arrepiado de quem sente o veneno voltar no contra fluxo. Desligo o telefone e deito embaixo da cama, apesar dos fantasmas. Escondo-me em um segundo abrigo, divido meu peito e entrego uma parte. Escuto minha respiração no escuro, tateio em busca das folhas soltas. Cordas arrebentadas e não sei exatamente como voltar, farejo o caminho em busca de luz. Cheiro a vela que você decompôs no ralador. Cubro meus ouvidos com o travesseiro suado. Damos as mãos mas seu olhar ainda faz arrepiar a nuca. Deitamos sob a noite nublada, e quando olho para o lado há ninguém. Hoje canto e o microfone está quebrado, as mãos que repousam no meu ombro, não sei exatamente o que querem dizer, não sei o que diz minha própria mão tremula tateando na terra solta. Você ainda escorre lento e me leva aos poucos; e leve, lave logo. Desague nesse estômago sofrido, desabrigue esta face deformada. Leve o que quiser, pois estou voltando e deixo uma parte.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Definir Jana

Jana é uma mulher forte, o que não quer dizer que ela não sinta dor, talvez ela seja até mais sensível do que os "fracos". Mas também ela não acha justo chamar alguém assim. As pessoas vivem de opções e ela optou por focos bons. Por mais que o nó lhe aperte a garganta e as lágrimas escorram por sua face, Jana procura sempre olhar na direção em que aponta a luz. Não patina no que não funciona, Jana vai adiante por mais que doa. Janaina é um berro de liberdade em um dia de sol. Embora agora do lado de fora o céu tenha uma cor indefinida marrom "alilasado" raios e trovões fortes e corajosos, os pingos de chuva contra a vidraça escorre, e na cidade há pouca luz. Eu me sento aqui à mesa, caderno aberto, escrita calma, totalmente entregue ao sol de Jana. Minha mente se divide, uma parte quer falar do que falo, a outra quer Jana e ainda não sei bem como as divido. Preciso de mais foco de Jana.

Jana tem cabelos curtos, veste calças e roupas confortáveis. As roupas pouco lhe importam. Ela é bela por natureza, cabelos pretos. Jana fala alto e firme, defende seu ponto de vista e não esquece o que tinha a dizer. As coisas são para ela no sentido mais amplo e a solução é no geral uma ação, e essa ação pode ser interna simulando uma parada ou pode ser mesmo a ação de dar um tempo, parar por um instante e respirar fundo. E eu sendo Jana agradeço a quem me sacaneia quando isso permite que eu ressurja de uma forma nova que já estava na hora de ser. Sou forte como os trovões que vêm com a luz de um raio. 

Eu sou Jana e pretendo tudo o que pretendo sem ter pretensões. Eu planejo sem modelar o futuro e executo sem saber exatamente onde vou parar.

A Jana surge logo que perco meu nojo de enfiar a mão na lama, e é mais uma viagem para dentro, pelo menos por enquanto, do que uma observação do mundo. Jana aparentemente não pensa muito, vai aonde for necessário ir sem muito pestanejar tendo consciência do que precisa passar para chegar onde vai chegar. Vive todas as situações por completo sem nunca sucumbir a elas. Jana não fala na terceira pessoa se é ela mesma, a menos que isso seja muito importante para a literatura.

Reconheci Jana em um desses momentos que a situação fica tão absurda que já não sabemos mais o que fazer e o que falar, embora às vezes sintamos vontade de berrar um monte de verdades, berrar tanto e tão rapidamente que a baba comece a espirrar de nossas bocas, dedo em riste, ódio no olhar. Mesmo que o sentimento de ódio seja provocado pela paixão intensa, pelo grande desejo de que tudo fosse diferente. A vontade de chacoalhar a outra pessoa para ver se ela entende de uma vez por todas o que estamos repetindo há anos, e para que por fim ela tome uma atitude, saia do seu marasmo infantil e decida-se, pelo seu próprio bem, pelo nosso próprio bem. Para que pare de resmungar como uma criança boba, pare de dizer que não gosta da situação e aja como se gostasse. Para que suas palavras estejam de acordo com seus atos. Para que não sejamos mais apunhalados com tanta frequência. 

Basta! Foi sempre nos momentos de basta que me encontrei com Jana. Mas no meu momento de basta mais intenso, mais farto, mais desiludido. Foi no momento em que não vi mais como o caminho poderia continuar sendo este, após tantas tentativas diferentes, após a apunhalada final, mais profunda e indolor. Sim, nesse momento nem dor pude sentir, tão intenso, tão inesperado, tão absurdo, e ao mesmo tempo totalmente previsível. Foi nesse momento que tive um encontro direto com Jana e misturei-me a ela. Foi um momento em que vi que não bastava apenas encontrar Jana, eu precisava estar nela, misturar-me a ela, eu precisava ser Jana. Agora eu sei, a chuva de ontem, a mais forte em um único dia desde Fevereiro do ano passado, veio para lavar, para limpar o que hoje daria espaço para o brilho de Jana. Seja muito bem vinda.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Arrasto

A baba se acumulou e espirrou naquela boca outrora tão infantil. Que espírito te toma menino inquieto? Não sei se te abraço e espero que passe, se choro junto ou te mostro minha ira. Não vê que os lados não são todos teus? Ele desviou para não ser arrastado com tua tempestade, isso não quer dizer que tenha entrado no teu jogo. Tua voz estridente berra com raiva e medo. Teus olhos saltam das órbitas inocentes como querendo ver além. Esqueces que ainda nem aprendeste a amarrar o próprio sapato, e quer se jogar ao chão como protesto por te dizerem que é hora de ouvir para permitir que escutem também. Cala-te não posso falar. Tenho que exigir que entre também na forma para que possam todos prosseguir. Tenho que exigir o que eu não desejaria fazer pois não sabes respeitar. Veja como também eu me canso ao fim do dia. Sente-se a meu lado e permita dois minutos de silêncio, vamos assistir a chuva cair por um instante, não te importes com as folhas que invadiram a sala. Deixa o vento, o dia inteiro foi tão abafado. Não te desesperes com o que não pode controlar, não te desesperes com o colega que não te carrega no colo como faz tua mãe. Não te irrites porque o outro não faz contigo o que também tu não és capaz de fazer por quem quer que seja. Sei que tens fome e que as horas passam muito lentas para quem espera, mas não sente no chão gelado, isso não ajuda. Não me use de saco de pancadas ou bode expiatório, isso não sara tuas feridas nem ajuda meu caminho. Se dermos as mãos, juntos, sobreviveremos mais fácil ao início da noite, e amanhã poderemos novamente almoçar e contar os minutos para tudo recomeçar. Mas dessa vez, por favor, não berre antes de acabar. Minha voz não tem a potência dos teus ouvidos.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Essa manhã voltei a respirar, estive um pouco sufocada dentro daquela garota que fui. Sou um link, um salto no escuro, uma ponte para o outro lado. Ergam os portões e deixem-me sair. Libertem esse pássaro preso em uma gaiola que mal lhe permite abrir as asas. Seu pio triste é reflexo dos seus olhos voltados para o céu que jamais tocou. Lambam seu próprio veneno e deixem-me ver o que há além das nuvens. Subam nos seus arranha céus condenados e permitam-me conhecer as profundezas. Só quem se joga na lama pode erguer uma mão e acenar sorrindo. Estou na lama medicinal do desesperado desejo de viver.

Há uma gargalhada em mim que quer sair voando por aí, uma gargalhada meio bruxa, meio criança. Uma gargalhada que brota em um peito calado e sobe agitando e fazendo cocegas. É uma gargalhada tão ensurdecedora que poderia estourar seus tímpanos. É uma gargalhada tão alegre e vigorosa que poderia lhe causar náuseas. Mas para mim pouco importa teu destino cheio de falhas e auto comoção.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Quando por fim saí do apartamento velho e mofado senti a liberdade da brisa fresca do oceano soprar em meus cabelos. Acredito que com o tempo o mofo terá sumido das minhas memórias, talvez até descubra que ele nunca existiu. Possivelmente o mofo saísse de dentro de mim. Fecho os olhos e espero que o sol seque essa coisa toda e logo eu possa voltar ao trabalho, qualquer que ele seja.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Tédio

Adoro o tédio, ele é o pai da mudança. A angústia é apenas um dos disfarces do desejo indefinido. Nada como a consciência de estar farto e desejoso de algo que não se sabe exatamente onde está. Atiro-me em um poço de possibilidades e saio toda respingada. Pego as possibilidades na mão e me lambuzo como criança com bolo de chocolate, daqueles que tem uma cobertura bem farta e cremosa.

Perco o fôlego com as possibilidades, quero girar o mundo mais rápido para ver os resultados. Quero falar com cada um que possa me por a prova. Aprovo-me em mil pedaços e como com doce de goiaba. O tédio, o adorado tédio que me ergue pela gola da camisa e bate contra a parede. Bebo o tédio como um angustiante copo de veneno que escorre lentamente e faz com que morram essas repetições enjoativas e eu renasço em outra parte. O delicioso recriar-me depois das onze e não poder dormir assombrada pelas possibilidades. O desejo de rasgar a caixa de presente e sair logo testando o novo. O que se descortina do outro lado da angústia só pode ser encontrado do outro lado do abismo.

É tão saboroso não saber o que há em meio a essa escuridão e sentir que algo bom sopra em nossas faces. De olhos fechados posso sentir o efeito do absurdo. O varal das possibilidades estendido em um dia de sol é tão óbvio. Eu gosto de vê-las agitar na tempestade e rodopiar como loucas estranhas a si próprias, e ver elas se reconhecerem pingando depois que o tempo acalma. Gosto tanto de ver esse reconhecimento encharcado. Gosto da lama que escorre na canela fina e entra no sapato que não teve tempo de vestir meias. Gosto dos pés apressados que foram descalços para a neve pois o fogo na cabeça não podia esperar. Gosto de dormir as 4h e acordar as 6h porque surgiu uma ideia muito boa. E por fim gosto de desgostar de tudo isso e duvidar de mim mesma de vez em quando para ter certeza de que ainda estou viva, e para por fim me reconhecer como mim mesma esquecendo que deveria ser eu mesma, e permitindo eu mesma ser ela assim que acordar no palco estranho do sonho de ser o lado que não tive coragem de acordar.

Queria lembrar da primeira vez que me recriei em um palco. Acho que não faz diferença. Escrevi uma história infantil para adultos e não soube o que fazer com ela. Resolvi viajar e conquistar o mundo e quando vi que ele poderia me conquistar, resolvi fazer uma mistura e pedi-lo em namoro. Tornei-me mulher comprometida com o mundo, amante por acaso.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Quando resolvi entrar nesse palco estava totalmente certa e completamente tranquila. Mas assim que a luz quente iluminou meu primeiro passo, senti a vertigem do abismo escuro diante de mim. Estive sóbria esse tempo todo, senti cada dor sem anestésico algum, nada poderia tirar minha consciência do mundo. Nada poderia desmentir meus olhos, as lentes escuras não são para mim. As coisas saem de foco em um giro brusco, mas ele é resgatado com um pequeno salto. Quando pulo de uma dimensão a outra em um segundo revivo muitas histórias. No dia em que resolvi saltar nesse abismo sem cordas para segurar, eu sabia das incertezas do caminho, mas também sabia que não andar não nos tira do caminho. Foi uma sede urgente de estar em outro lugar, de ser outro eu que era eu mesma que me fez dar o passo. Eu me criei, me moldei de acordo com algo que brotou sem que eu dissesse, sem que eu agarrasse com as mãos, não segurei as asas da pequena borboleta que vazou do meu peito, deixei que voasse livre e segui seu voo.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Bem vindos!

Hoje me inauguro no mundo. Nasci dia 23 e hoje já é meu debute. Se ficar para sempre no emaranhado de outro alguém não poderei saber exatamente o que sou. Estava há algum tempo deitada nesse palco, mas só agora permito que ascendam as luzes. Estava diante de uma tela que me dizia o que eu nem esperava, nem queria ver, fechei os olhos e quando abri novamente estava aqui. Olhando para a platéia vazia me perguntei o que deveria ser, se estou no palco é porque devo atuar? Não necessariamente, mas esse é meu teatro, eu é que invento, eu é que comando. Ainda não criei o enredo e os personagens, mas já é hora da platéia entrar. Pois então que entrem, sejam todos muito bem vindos! Esse é meu teatro flutuante, sempre em queda, mas se você olhar invertido ele sobe. Este é meu teatro abismo, não tem final marcado. Aqui nos encontramos, não termina quando fecham as cortinas, todo início é fim, e todo final é começo. Os aplausos são para elevar o tom da alma.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Subitamente tantas apostas ficam invalidadas. Sobrenatural é algo que fugiu por entre meus dedos há muito tempo. Esqueço de ser se posso apenas deixar que prossiga. Abandonar Rasgar o que deixou que escapasse por entre os dedos. Ignorar os próprios atos e se ver em um filme auto decomposto. Estranhamente descubro que vago por um mundo tão próprio que deixa de ser meu antes mesmo que acorde. Tentei escalar as altas paredes com as unhas, mas acabei por jogar um fio de ceda e tecer minha própria história sem escalas. Roupas Peles superpostas num disfarce de vidas, quase enganei-me ao pensar em auto suficiência. Pouco tramei, até que pude descobrir, sou mulher de dois atos.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

abismo criativo

os
ativos
são criativos
não cativos
em seus abismos.


Isso me faz lembrar 
daquela história
sobre os ismos
mas de que adianta
irmos atrás dos seus
exoterismos
se somos donos 
da nossa própria
rebeldia
seja dia ou noite

Esquece logo o açoite
o churrasco
a marionete ou seu lacaio.
Afinal dizem:
o estado é laico.

Pensei em ser laico,
não lacaio,
é claro.
Mas no minuto seguinte
quis ser bruxa,
freira, cigana.
Mudei meu nome,
não bastou
mudei o seu.

Pensei em dizer:
esqueça logo 
o amante
mas quem sabe
morreria a tal
poesia.

o tal amante
era...
como um mirante
não era almirante
o que, nem sempre,
é uma pena.

uma pluma
esbelta como tal.
logo lembrei da 
rima, agonia da qual
deveria eu 
fugir.
mas sabe você
caindo no abismo
pouco se pensa
no verso anterior.

no abismo
pouco se diferencia
ora fica ele visivelmente mais largo
ora curto.
às vezes
fica curvo
mas se algo
muda ele volta
logo ao seu normal.
normal? e lá abismo tem
essa coisa chamada normal?
ou o seu normal é ser sempre assim
essa parte um pouco diferente da anterior
ou muito.
 mas se ser diferente é o normal
então o normal é diferente e o diferente normal?

a conclusão que cheguei
sem querer concluir
foi que um não existe 
sem o seu o posto
e veja só!
não fui a primeira.
posto isso
aposto uma corrida
chego em terceiro.
como uma amora
e sem demora
vou embora
para bora bora

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Escuridão

E não é tão ruim assim, encontro-me no desencontro de almas. Sou caos, levo o caos aos teus caminhos. Caminha! Tenta encontrar algo além da tua inutilidade, és incapaz? Pois bem, aceite o que não és, atira-te ao que és. Pare de tentar ser do meu mundo, nele sou inteira demais para que possa haver outro. Cala-te enfim, deixe-me viver nesse mar que ondula meus cabelos. Me afoguei e não tenho o que dizer, o fundo do mar é belo para olhos que ainda podem ver. O litoral é um principio do continente mas do outro lado é o fim. Vai adiante, pois aqui não ha mais espaço.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Ainda não sei quem sou, o que devo dizer e o que faço aqui. Este mundo é restrito a mim, até que eu delete ou viva nele. Ontem morri afogada, agora estou caindo até que chegue... ainda não sei onde.