domingo, 27 de fevereiro de 2011

Definir Jana

Jana é uma mulher forte, o que não quer dizer que ela não sinta dor, talvez ela seja até mais sensível do que os "fracos". Mas também ela não acha justo chamar alguém assim. As pessoas vivem de opções e ela optou por focos bons. Por mais que o nó lhe aperte a garganta e as lágrimas escorram por sua face, Jana procura sempre olhar na direção em que aponta a luz. Não patina no que não funciona, Jana vai adiante por mais que doa. Janaina é um berro de liberdade em um dia de sol. Embora agora do lado de fora o céu tenha uma cor indefinida marrom "alilasado" raios e trovões fortes e corajosos, os pingos de chuva contra a vidraça escorre, e na cidade há pouca luz. Eu me sento aqui à mesa, caderno aberto, escrita calma, totalmente entregue ao sol de Jana. Minha mente se divide, uma parte quer falar do que falo, a outra quer Jana e ainda não sei bem como as divido. Preciso de mais foco de Jana.

Jana tem cabelos curtos, veste calças e roupas confortáveis. As roupas pouco lhe importam. Ela é bela por natureza, cabelos pretos. Jana fala alto e firme, defende seu ponto de vista e não esquece o que tinha a dizer. As coisas são para ela no sentido mais amplo e a solução é no geral uma ação, e essa ação pode ser interna simulando uma parada ou pode ser mesmo a ação de dar um tempo, parar por um instante e respirar fundo. E eu sendo Jana agradeço a quem me sacaneia quando isso permite que eu ressurja de uma forma nova que já estava na hora de ser. Sou forte como os trovões que vêm com a luz de um raio. 

Eu sou Jana e pretendo tudo o que pretendo sem ter pretensões. Eu planejo sem modelar o futuro e executo sem saber exatamente onde vou parar.

A Jana surge logo que perco meu nojo de enfiar a mão na lama, e é mais uma viagem para dentro, pelo menos por enquanto, do que uma observação do mundo. Jana aparentemente não pensa muito, vai aonde for necessário ir sem muito pestanejar tendo consciência do que precisa passar para chegar onde vai chegar. Vive todas as situações por completo sem nunca sucumbir a elas. Jana não fala na terceira pessoa se é ela mesma, a menos que isso seja muito importante para a literatura.

Reconheci Jana em um desses momentos que a situação fica tão absurda que já não sabemos mais o que fazer e o que falar, embora às vezes sintamos vontade de berrar um monte de verdades, berrar tanto e tão rapidamente que a baba comece a espirrar de nossas bocas, dedo em riste, ódio no olhar. Mesmo que o sentimento de ódio seja provocado pela paixão intensa, pelo grande desejo de que tudo fosse diferente. A vontade de chacoalhar a outra pessoa para ver se ela entende de uma vez por todas o que estamos repetindo há anos, e para que por fim ela tome uma atitude, saia do seu marasmo infantil e decida-se, pelo seu próprio bem, pelo nosso próprio bem. Para que pare de resmungar como uma criança boba, pare de dizer que não gosta da situação e aja como se gostasse. Para que suas palavras estejam de acordo com seus atos. Para que não sejamos mais apunhalados com tanta frequência. 

Basta! Foi sempre nos momentos de basta que me encontrei com Jana. Mas no meu momento de basta mais intenso, mais farto, mais desiludido. Foi no momento em que não vi mais como o caminho poderia continuar sendo este, após tantas tentativas diferentes, após a apunhalada final, mais profunda e indolor. Sim, nesse momento nem dor pude sentir, tão intenso, tão inesperado, tão absurdo, e ao mesmo tempo totalmente previsível. Foi nesse momento que tive um encontro direto com Jana e misturei-me a ela. Foi um momento em que vi que não bastava apenas encontrar Jana, eu precisava estar nela, misturar-me a ela, eu precisava ser Jana. Agora eu sei, a chuva de ontem, a mais forte em um único dia desde Fevereiro do ano passado, veio para lavar, para limpar o que hoje daria espaço para o brilho de Jana. Seja muito bem vinda.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Arrasto

A baba se acumulou e espirrou naquela boca outrora tão infantil. Que espírito te toma menino inquieto? Não sei se te abraço e espero que passe, se choro junto ou te mostro minha ira. Não vê que os lados não são todos teus? Ele desviou para não ser arrastado com tua tempestade, isso não quer dizer que tenha entrado no teu jogo. Tua voz estridente berra com raiva e medo. Teus olhos saltam das órbitas inocentes como querendo ver além. Esqueces que ainda nem aprendeste a amarrar o próprio sapato, e quer se jogar ao chão como protesto por te dizerem que é hora de ouvir para permitir que escutem também. Cala-te não posso falar. Tenho que exigir que entre também na forma para que possam todos prosseguir. Tenho que exigir o que eu não desejaria fazer pois não sabes respeitar. Veja como também eu me canso ao fim do dia. Sente-se a meu lado e permita dois minutos de silêncio, vamos assistir a chuva cair por um instante, não te importes com as folhas que invadiram a sala. Deixa o vento, o dia inteiro foi tão abafado. Não te desesperes com o que não pode controlar, não te desesperes com o colega que não te carrega no colo como faz tua mãe. Não te irrites porque o outro não faz contigo o que também tu não és capaz de fazer por quem quer que seja. Sei que tens fome e que as horas passam muito lentas para quem espera, mas não sente no chão gelado, isso não ajuda. Não me use de saco de pancadas ou bode expiatório, isso não sara tuas feridas nem ajuda meu caminho. Se dermos as mãos, juntos, sobreviveremos mais fácil ao início da noite, e amanhã poderemos novamente almoçar e contar os minutos para tudo recomeçar. Mas dessa vez, por favor, não berre antes de acabar. Minha voz não tem a potência dos teus ouvidos.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Essa manhã voltei a respirar, estive um pouco sufocada dentro daquela garota que fui. Sou um link, um salto no escuro, uma ponte para o outro lado. Ergam os portões e deixem-me sair. Libertem esse pássaro preso em uma gaiola que mal lhe permite abrir as asas. Seu pio triste é reflexo dos seus olhos voltados para o céu que jamais tocou. Lambam seu próprio veneno e deixem-me ver o que há além das nuvens. Subam nos seus arranha céus condenados e permitam-me conhecer as profundezas. Só quem se joga na lama pode erguer uma mão e acenar sorrindo. Estou na lama medicinal do desesperado desejo de viver.

Há uma gargalhada em mim que quer sair voando por aí, uma gargalhada meio bruxa, meio criança. Uma gargalhada que brota em um peito calado e sobe agitando e fazendo cocegas. É uma gargalhada tão ensurdecedora que poderia estourar seus tímpanos. É uma gargalhada tão alegre e vigorosa que poderia lhe causar náuseas. Mas para mim pouco importa teu destino cheio de falhas e auto comoção.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Quando por fim saí do apartamento velho e mofado senti a liberdade da brisa fresca do oceano soprar em meus cabelos. Acredito que com o tempo o mofo terá sumido das minhas memórias, talvez até descubra que ele nunca existiu. Possivelmente o mofo saísse de dentro de mim. Fecho os olhos e espero que o sol seque essa coisa toda e logo eu possa voltar ao trabalho, qualquer que ele seja.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Tédio

Adoro o tédio, ele é o pai da mudança. A angústia é apenas um dos disfarces do desejo indefinido. Nada como a consciência de estar farto e desejoso de algo que não se sabe exatamente onde está. Atiro-me em um poço de possibilidades e saio toda respingada. Pego as possibilidades na mão e me lambuzo como criança com bolo de chocolate, daqueles que tem uma cobertura bem farta e cremosa.

Perco o fôlego com as possibilidades, quero girar o mundo mais rápido para ver os resultados. Quero falar com cada um que possa me por a prova. Aprovo-me em mil pedaços e como com doce de goiaba. O tédio, o adorado tédio que me ergue pela gola da camisa e bate contra a parede. Bebo o tédio como um angustiante copo de veneno que escorre lentamente e faz com que morram essas repetições enjoativas e eu renasço em outra parte. O delicioso recriar-me depois das onze e não poder dormir assombrada pelas possibilidades. O desejo de rasgar a caixa de presente e sair logo testando o novo. O que se descortina do outro lado da angústia só pode ser encontrado do outro lado do abismo.

É tão saboroso não saber o que há em meio a essa escuridão e sentir que algo bom sopra em nossas faces. De olhos fechados posso sentir o efeito do absurdo. O varal das possibilidades estendido em um dia de sol é tão óbvio. Eu gosto de vê-las agitar na tempestade e rodopiar como loucas estranhas a si próprias, e ver elas se reconhecerem pingando depois que o tempo acalma. Gosto tanto de ver esse reconhecimento encharcado. Gosto da lama que escorre na canela fina e entra no sapato que não teve tempo de vestir meias. Gosto dos pés apressados que foram descalços para a neve pois o fogo na cabeça não podia esperar. Gosto de dormir as 4h e acordar as 6h porque surgiu uma ideia muito boa. E por fim gosto de desgostar de tudo isso e duvidar de mim mesma de vez em quando para ter certeza de que ainda estou viva, e para por fim me reconhecer como mim mesma esquecendo que deveria ser eu mesma, e permitindo eu mesma ser ela assim que acordar no palco estranho do sonho de ser o lado que não tive coragem de acordar.

Queria lembrar da primeira vez que me recriei em um palco. Acho que não faz diferença. Escrevi uma história infantil para adultos e não soube o que fazer com ela. Resolvi viajar e conquistar o mundo e quando vi que ele poderia me conquistar, resolvi fazer uma mistura e pedi-lo em namoro. Tornei-me mulher comprometida com o mundo, amante por acaso.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Quando resolvi entrar nesse palco estava totalmente certa e completamente tranquila. Mas assim que a luz quente iluminou meu primeiro passo, senti a vertigem do abismo escuro diante de mim. Estive sóbria esse tempo todo, senti cada dor sem anestésico algum, nada poderia tirar minha consciência do mundo. Nada poderia desmentir meus olhos, as lentes escuras não são para mim. As coisas saem de foco em um giro brusco, mas ele é resgatado com um pequeno salto. Quando pulo de uma dimensão a outra em um segundo revivo muitas histórias. No dia em que resolvi saltar nesse abismo sem cordas para segurar, eu sabia das incertezas do caminho, mas também sabia que não andar não nos tira do caminho. Foi uma sede urgente de estar em outro lugar, de ser outro eu que era eu mesma que me fez dar o passo. Eu me criei, me moldei de acordo com algo que brotou sem que eu dissesse, sem que eu agarrasse com as mãos, não segurei as asas da pequena borboleta que vazou do meu peito, deixei que voasse livre e segui seu voo.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Bem vindos!

Hoje me inauguro no mundo. Nasci dia 23 e hoje já é meu debute. Se ficar para sempre no emaranhado de outro alguém não poderei saber exatamente o que sou. Estava há algum tempo deitada nesse palco, mas só agora permito que ascendam as luzes. Estava diante de uma tela que me dizia o que eu nem esperava, nem queria ver, fechei os olhos e quando abri novamente estava aqui. Olhando para a platéia vazia me perguntei o que deveria ser, se estou no palco é porque devo atuar? Não necessariamente, mas esse é meu teatro, eu é que invento, eu é que comando. Ainda não criei o enredo e os personagens, mas já é hora da platéia entrar. Pois então que entrem, sejam todos muito bem vindos! Esse é meu teatro flutuante, sempre em queda, mas se você olhar invertido ele sobe. Este é meu teatro abismo, não tem final marcado. Aqui nos encontramos, não termina quando fecham as cortinas, todo início é fim, e todo final é começo. Os aplausos são para elevar o tom da alma.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Subitamente tantas apostas ficam invalidadas. Sobrenatural é algo que fugiu por entre meus dedos há muito tempo. Esqueço de ser se posso apenas deixar que prossiga. Abandonar Rasgar o que deixou que escapasse por entre os dedos. Ignorar os próprios atos e se ver em um filme auto decomposto. Estranhamente descubro que vago por um mundo tão próprio que deixa de ser meu antes mesmo que acorde. Tentei escalar as altas paredes com as unhas, mas acabei por jogar um fio de ceda e tecer minha própria história sem escalas. Roupas Peles superpostas num disfarce de vidas, quase enganei-me ao pensar em auto suficiência. Pouco tramei, até que pude descobrir, sou mulher de dois atos.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

abismo criativo

os
ativos
são criativos
não cativos
em seus abismos.


Isso me faz lembrar 
daquela história
sobre os ismos
mas de que adianta
irmos atrás dos seus
exoterismos
se somos donos 
da nossa própria
rebeldia
seja dia ou noite

Esquece logo o açoite
o churrasco
a marionete ou seu lacaio.
Afinal dizem:
o estado é laico.

Pensei em ser laico,
não lacaio,
é claro.
Mas no minuto seguinte
quis ser bruxa,
freira, cigana.
Mudei meu nome,
não bastou
mudei o seu.

Pensei em dizer:
esqueça logo 
o amante
mas quem sabe
morreria a tal
poesia.

o tal amante
era...
como um mirante
não era almirante
o que, nem sempre,
é uma pena.

uma pluma
esbelta como tal.
logo lembrei da 
rima, agonia da qual
deveria eu 
fugir.
mas sabe você
caindo no abismo
pouco se pensa
no verso anterior.

no abismo
pouco se diferencia
ora fica ele visivelmente mais largo
ora curto.
às vezes
fica curvo
mas se algo
muda ele volta
logo ao seu normal.
normal? e lá abismo tem
essa coisa chamada normal?
ou o seu normal é ser sempre assim
essa parte um pouco diferente da anterior
ou muito.
 mas se ser diferente é o normal
então o normal é diferente e o diferente normal?

a conclusão que cheguei
sem querer concluir
foi que um não existe 
sem o seu o posto
e veja só!
não fui a primeira.
posto isso
aposto uma corrida
chego em terceiro.
como uma amora
e sem demora
vou embora
para bora bora