terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Tédio

Adoro o tédio, ele é o pai da mudança. A angústia é apenas um dos disfarces do desejo indefinido. Nada como a consciência de estar farto e desejoso de algo que não se sabe exatamente onde está. Atiro-me em um poço de possibilidades e saio toda respingada. Pego as possibilidades na mão e me lambuzo como criança com bolo de chocolate, daqueles que tem uma cobertura bem farta e cremosa.

Perco o fôlego com as possibilidades, quero girar o mundo mais rápido para ver os resultados. Quero falar com cada um que possa me por a prova. Aprovo-me em mil pedaços e como com doce de goiaba. O tédio, o adorado tédio que me ergue pela gola da camisa e bate contra a parede. Bebo o tédio como um angustiante copo de veneno que escorre lentamente e faz com que morram essas repetições enjoativas e eu renasço em outra parte. O delicioso recriar-me depois das onze e não poder dormir assombrada pelas possibilidades. O desejo de rasgar a caixa de presente e sair logo testando o novo. O que se descortina do outro lado da angústia só pode ser encontrado do outro lado do abismo.

É tão saboroso não saber o que há em meio a essa escuridão e sentir que algo bom sopra em nossas faces. De olhos fechados posso sentir o efeito do absurdo. O varal das possibilidades estendido em um dia de sol é tão óbvio. Eu gosto de vê-las agitar na tempestade e rodopiar como loucas estranhas a si próprias, e ver elas se reconhecerem pingando depois que o tempo acalma. Gosto tanto de ver esse reconhecimento encharcado. Gosto da lama que escorre na canela fina e entra no sapato que não teve tempo de vestir meias. Gosto dos pés apressados que foram descalços para a neve pois o fogo na cabeça não podia esperar. Gosto de dormir as 4h e acordar as 6h porque surgiu uma ideia muito boa. E por fim gosto de desgostar de tudo isso e duvidar de mim mesma de vez em quando para ter certeza de que ainda estou viva, e para por fim me reconhecer como mim mesma esquecendo que deveria ser eu mesma, e permitindo eu mesma ser ela assim que acordar no palco estranho do sonho de ser o lado que não tive coragem de acordar.

Queria lembrar da primeira vez que me recriei em um palco. Acho que não faz diferença. Escrevi uma história infantil para adultos e não soube o que fazer com ela. Resolvi viajar e conquistar o mundo e quando vi que ele poderia me conquistar, resolvi fazer uma mistura e pedi-lo em namoro. Tornei-me mulher comprometida com o mundo, amante por acaso.

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